Comboio para Budapeste de Dacia Maraini (OPINIÃO)


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Uma viagem ao coração ferido da Europa do século XX, de Auschwitz a Budapeste, atravessando o rasto inesquecível da memória.


1956. Amara, uma jovem jornalista italiana, tem como missão redigir um relatório sobre a crescente divisão política entre a Europa de Leste e a Europa Ocidental no pós-guerra. Mas, no seu coração, ela encontra uma outra missão: descobrir o que aconteceu a Emanuele, o seu inseparável amigo de infância. Emanuele era judeu e foi deportado pelos nazis em Viena, durante a guerra, não sem antes lhe dar uma longa série de cartas que Amara ainda carrega com ela. 
Em sua busca, Amara atravessa a Europa num comboio que pára em todas as estações, tem panos de renda feita à mão a enfeitar os bancos e tresanda a cabra cozida e a sabão de permanganato. Amara visita horrorizada o que resta do círculo infernal de Auschwitz-Birkenau, percorre as ruas de Viena à procura de sobreviventes, chega a Budapeste no momento em que rebenta a revolta húngara, e treme ao lado dos insurrectos quando os tiros dos carros blindados russos esventram as casas. Na sua aventura, e nos destinos dos homens e das mulheres que vêm entrelaçar-se na sua vida, manifesta-se o sentimento de catástrofe e de abismo em que o século XX mergulhou, e a esperança irreprimível de um mundo diferente. Pelo caminho, Amara encontra muitos outros sobreviventes, cada um com a sua própria história para contar, e pondera a existência conturbada dos seus próprios pais no mundo opressivo da Itália de Mussolini. Mas será que Emanuele conseguiu sobreviver à guerra ou, como tantos outros judeus de Viena, morreu em Auschwitz ou num gueto na Polónia?




Críticas de imprensa
«A escritora italiana mais audaciosa.»
Sunday Times

«Um romance acre e forte, cru e apaixonado, sobre os tempos e as vivências do século XX, brilhantemente evocados, para que ninguém os consiga esquecer.»
Gazzetta del Sud



Opinião:



1956 é o ano em que Amara, a personagem principal da história, empreende a viagem da demanda ou da memória. Terminada a Segunda Guerra Mundial, o mundo via-se dividido por uma outra: A Guerra Fria. Estes são os dois núcleos narrativos do livro. A uni-los, a história de Amara e Emanuel recriada através das cartas que a protagonista transporta consigo. Cartas inicialmente ingénuas, de um rapazinho que rapidamente se vê envolvido nos horrores da Guerra…
O romance elogia a liberdade, denuncia os crimes e define o sentido de justiça da memória: os fantasmas do passado não se esquecem e o futuro só se pode construir se os criminosos forem condenados e as culpas expiadas…
A fazer lembrar Tolstoi ou Dostoevsky, em primeiro plano ressaltam os comportamentos obsessivos e desesperados da personagem principal, o que a aproxima a uma trágica marioneta obrigada a seguir um guião pré-escrito e sem hipótese de alteração… E em analogia com os escritores russos, a autora dá particular atenção ao pormenor e ao detalhe.
As frequentes digressões na narrativa não alteram a sua tensão. Pelo contrário, permitem reflectir sobre o drama registado. Os diálogos são fluidos e encaixados no texto como peças de puzzle. As personagens são realistas, aterradoras, sublimes, comoventes… Enfim, o texto tem toda a força de um retrato a sépia - ou a preto e branco – que desperta todos os nossos sentidos.
É um belo livro de História e de histórias.


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